sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Cartesianismo


Desejo que você tenha a quem amar

e que, mesmo que não seja amado,

ainda assim ame.


Desejo que você veja muito mar

e que, mesmo que a chuva caia fria,

ainda assim mergulhe.


Desejo sua idiossincrasia –

que ela procure minha boca

de forma cartesiana

ou estúpida.

Pois sendo uma, não pode deixar de ser outra.


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Essa história desse poema “Desejo”, que inspirou a letra da música do Frejat, é muito obscura para mim, por isso vou desistir de minhas diligências pela web para entender de quem é o poema e partir para o que interessa, que são os versos da música que me comovem: “Desejo que você tenha a quem amar / E quando estiver bem cansado / Ainda haja amor pra recomeçar”. Afinal, Barthes já disse: o texto corre livre por aí, não importa quem o tenha escrito.

O fato é que eu adoro a ideia do desprendimento afetivo. Explicando: desejar amor para o outro, desejar que ele sempre possa recomeçar com amor (ele, não eu, entendeu?), desejar para o outro o que se tem e, ainda, o que não se tem. Isso é, para mim, nobreza que se deve almejar.

Por isso, para quem eu gosto e amo, desejo que tenham a quem amar e que, amando, esqueçam da razão.


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Amor pra recomeçar

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Dos estados da alma


Da calmaria


Que te leve ao fundo,

que te dê centro,

que te entregue paz,

que proveja sustento

para a iminente tormenta

que te toma,

que te tenta.



Da turbulência


Que te leve longe,

que te entregue à margem,

que te revire os planos,

que te dê coragem

para o vai e vem

que te toma,

que te tem.


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Antes das tempestades literais ou metafóricas, há, de fato, uma calmaria, um ar parado, que quase nos faz esquecer que a tormenta é constante da vida. Talvez a calmaria prepare o espírito, alimente o pensar e fortaleça o corpo para suportarmos os ventos e trovões. Talvez ela seja apenas perversa, dando-nos a ilusão do chão. Mas este nos abandona os pés ao primeiro sopro do noroeste. É bom desconfiar de calmarias e apostar mais em turbilhões.


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Someone told me long ago

There’s a calm before the storm,

I know, it’s been coming for some time.

When it’s over so they say

It will rain a sunny day,

I know, shining down like water.

I wanna know have you ever seen the rain

I wanna know have you ever seen the rain

Coming down on a sunny day?

Creedence Clearwater Revival


So the storm passed and every one was happy.

Kate Chopin


segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Sísifo


Eu cada vez menos quero chegar ao fim do caminho,

sabe?

Cada vez menos quero andar em frente.

Quero o desvio, quero o detour.

Preciso vagar pela estrada mais longa,

pela via mais lenta,

para que não me cobrem a chegada.

Quem me chama é o trevo verde e vagabundo

à margem da rodovia. Me convida para sua trilha.

A guirlanda ao fim da jornada

não me atrai em nada.



Eu cada vez mais quero olhar para o lado,

sabe?

Cada vez menos quero contemplar o que virá pela frente.

Quero o cruzamento, quero a transversal.

Preciso enxergar depois da curva,

depois de cada esquina,

para que não me falte mundo.

Quem me atrai é o pedregulho ordinário e errante

ao lado do meio-fio. Me enriquece o caminho.

O monolito ao fim da estrada

não me diz nada.


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"É preciso imaginar Sísifo feliz."

Albert Camus