segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Quadrinhas

Tentar um soneto é difícil demais;
Tercetos, quartetos, são tantas regrinhas:
Métrica tão certa, formas radicais.
Eu nem me arrisco – eu faço quadrinhas.

E os dodecassílabos, os alexandrinos?
E as rimas internas, contadas, certinhas?
Em linhas bem simples, versos pequeninos,
Eu fico na minha – eu faço quadrinhas.

Nunca vou ser Bilac ou Fernando Pessoa –
Não escrevo sério, só falo gracinhas.
Cada um na sua, fico aqui à toa
Brincando de verso – eu faço quadrinhas.


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Na literatura inglesa, os grandes mestres das quadrinhas são anônimos. As baladas populares medievais, compostas numa época em que a literatura era mais oral do que escrita, eram formadas por ricas quadrinhas, muitas vezes com esquemas elaborados de rimas, como as baladas sobre Robin Hood, por exemplo.

“They happen’d to meet on a long narrow bridge,
And neither of them would give way;
Quoth bold Robin Hood, and sturdily stood,
I'll show you right Nottingham play.”

Mais tarde, os românticos, ao valorizarem a cultura do povo, acabaram por produzir belas baladas, como “La Belle Dame Sans Merci”, de John Keats, onde um rapaz é seduzido pelos charmes da morte, a bela dama sem misericórdia. A propósito, os temas sobrenaturais eram muito comuns, talvez por seu apelo popular. Coleridge escreve a obra-prima “The Rime of the Ancient Mariner” dentro dessa onda do misticismo. Quadrinhas maravilhosamente simples e belas saíram da pena do poeta:

“Day after day, day after day,
We stuck, nor breath nor motion;
As idle as a painted ship
Upon a painted ocean.”

O pessoal do Iron Maiden, que não é bobo nem nada, não apenas se inspirou na balada do velho marinheiro para compor a canção de mesmo nome, mas também se aproveitou de quadras inteiras do poeta inglês, inclusive da quadrinha acima. Crédito para os metaleiros que souberam interpretar musicalmente a beleza dos versos de Coleridge. Não achei uma versão legal no youtube. Quem tiver o CD em casa (“Powerslave”), é só checar.

terça-feira, 23 de dezembro de 2008

O grito


O grito é a angústia para fora;
É a angústia indo embora
De dentro do corpo da gente,
Saindo da nossa mente
Para que na cama, ao anoitecer,
Eu sonhe só com você.

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Há gritos e gritos, os belos e os feios. Todos são meio estranhos. Tem a Yoko Ono gritando como uma doida no “Two Virgins” – feio. Tem o Eddie Vedder gritando como um louco no final de “Black”, colocando o coração para fora – lindo! Há gritos mais polêmicos, no entanto. O de Munch, na ilustração, é um deles. Um grito silencioso, solitário, distorcido – um grito para ninguém, talvez nem mesmo para quem grita. Ainda assim, pior é não gritar.


O grito belo:


http://www.youtube.com/watch?v=AFVlJAi3Cso



quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Blind Melon Bee Girl


Eu, que tenho sofrido a angústia das pequenas coisas ridículas,

Eu verifico que não tenho par nisto tudo neste mundo.

Fernando Pessoa, “Poema em linha reta”



Sou uma abelha sozinha,
Nem operária, nem rainha;
E vou levando esta vidinha
Numa colméia que não é a minha.

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Quem nunca se sentiu como a garotinha-abelha no videoclip do Blind Melon? Se alguém nunca se sentiu desajustado e rejeitado, sinto muito, mas isso me parece sinal de mediocridade (sem querer ofender).

Citando o tio da pequena Miss Sunshine, que, por sua vez, cita Proust, os anos felizes não acrescentam muito à biografia de ninguém, mas os infelizes... estes, sim, são época de desenvolvimento e produção. Eu, particularmente, acho que tempos felizes também são ótimos, mas entendo que uma vida sem um pingo de desajuste é muito vazia.

Afinal, se você é sempre aceito pelo grupo e nunca se sente solitário ou incompreendido, o que há de especial sobre você?

Para quem não sabe que garotinha-abelha é essa:

http://www.youtube.com/watch?v=qmVn6b7DdpA


sábado, 13 de dezembro de 2008

Transgressão


Eu sou a transgressão;
Eu sou a vontade no olhar alheio.
Eu te encosto, eu te permeio,
Mas você me diz não.


Eu sou a transgressão;
Eu sou a boca que você deseja,
Eu sou a boca que você não beija –
Você me diz não.


Eu sou ilusão.
Eu sou o mundo mais complicado,
Sou o caminho mais emaranhado,
Para quem me diz não.


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Transgredir ou não transgredir? Eis...
A transgressão sem princípios – ou seja, transgressão apenas por transgredir – é tão estúpida quanto o acato sem crítica do que se deve respeitar. Não muda nada, não melhora nada. É como muitos funks e hip hops que, embora façam parte de um tipo de música originalmente transgressor, falam de como a mulher tal é gostosa ou de quanto dinheiro os cantores têm para comprar carros, correntes de ouro, roupas de grife e mulheres gostosas. Isso não é mais transgressão, é mainstream burro.
Transgredir é positivo e/ou negativo, depende do contexto. Afinal, todo mundo gosta de algo que não pode ou não deve.
Um tipo de transgressão interessante é não fazer aquilo que se espera de você. Basicamente, quebrar rótulos. Se, em 1990, alguém dissesse que o U2 iria fazer um disco altamente dançante, para encher pista, diriam que esse alguém estava por fora. Transgredindo, Achtung Baby foi lançado em 1991 e trouxe uma das melhores músicas para se dançar do planeta, que está no link abaixo. “Autotransgressão” – talvez a melhor que há.

http://www.youtube.com/watch?v=s7XnSrMVftE

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

Vida de coisa


A correia dentada - coitada!
Abandonada
Junto ao meio-fio, perto da calçada,
Sob a chuvarada.
Tão usada e nunca amada.
Agora quebrada e largada.


De tanto já serviu...
Não vale mais nada.

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A gravura que ilustra o poema é de Oswaldo Goeldi, artista carioca do início do século XX. É chamada de "Abandono".

quinta-feira, 4 de dezembro de 2008

Abaixo a dicotomia! (Da série poesia exclamativa)


Se a lua fosse masculina...
Se o preto indicasse alegria...
Se o sol fosse menina...
Se não existisse dicotomia...


Quero meu mundo libertado
Pra pensar e repensar.
Quero não ser enganado,
Com malícia orientado
Pra não sair do lugar.


Fora o que cristalizou!
Deixe a cabeça vazia
Pro que minha mente criou:
Abaixo a dicotomia!