quarta-feira, 4 de novembro de 2009

A condição humana

Por que tanta humanidade?
Por que tão pouco estoicismo?
Por que tanto Fernando Pessoa
e tão pouco neoclassicismo?
Por que tantas falhas, inconsistências,
tanta incerteza e dualidade?
Por que tanta humanidade?

Sou homem -
sofro por minha condição.
Sou homem -
tenho medo desde o berço.
Merda! Sou homem.

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"Rather than love, than money, than fame, give me truth." Thoreau

"Rather than love, than money, than faith, than fame, than fairness, give me truth." From "Into the wild"

sábado, 5 de setembro de 2009

As quatro estações



Primavera


A parede é branca.

Ela chega e te pinta

e te borra com a tinta.

Pintura própria, ela arranca;

Proteção extinta.


Verão


A parede ensolarada

ou banhada de lua.

Ela chega tão nua

no calor da madrugada.

Janela escancarada –

vê-se a cor lá da rua.


Outono


A parede sombria,

sua cor escondida.

Ela chega e revida

também com energia.

A cortina torcida

dá vez à luz do dia.

Ela ainda auspicia

ventos bons nesta vida.


Inverno


Na parede gelada

a pintura desbota.

Ela chega e boicota

essa fria emboscada

da estação que se esgota.

Do canto, puxa a escada

e, quente, dá uma risada,

enquanto a voz tilinta:

“Esta parede precisa de tinta!”


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April come she will

(Paul Simon)

April come she will
When streams are ripe and swelled with rain;
May, she will stay,
Resting in my arms again.
June, shell change her tune,
In restless walks she’ll prowl the night;
July, she will fly
And give no warning to her flight.
August, die she must,
The autumn winds blow chilly and cold;
September Ill remember
A love once new has now grown old.


sexta-feira, 7 de agosto de 2009

Cartesianismo


Desejo que você tenha a quem amar

e que, mesmo que não seja amado,

ainda assim ame.


Desejo que você veja muito mar

e que, mesmo que a chuva caia fria,

ainda assim mergulhe.


Desejo sua idiossincrasia –

que ela procure minha boca

de forma cartesiana

ou estúpida.

Pois sendo uma, não pode deixar de ser outra.


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Essa história desse poema “Desejo”, que inspirou a letra da música do Frejat, é muito obscura para mim, por isso vou desistir de minhas diligências pela web para entender de quem é o poema e partir para o que interessa, que são os versos da música que me comovem: “Desejo que você tenha a quem amar / E quando estiver bem cansado / Ainda haja amor pra recomeçar”. Afinal, Barthes já disse: o texto corre livre por aí, não importa quem o tenha escrito.

O fato é que eu adoro a ideia do desprendimento afetivo. Explicando: desejar amor para o outro, desejar que ele sempre possa recomeçar com amor (ele, não eu, entendeu?), desejar para o outro o que se tem e, ainda, o que não se tem. Isso é, para mim, nobreza que se deve almejar.

Por isso, para quem eu gosto e amo, desejo que tenham a quem amar e que, amando, esqueçam da razão.


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Amor pra recomeçar

terça-feira, 4 de agosto de 2009

Dos estados da alma


Da calmaria


Que te leve ao fundo,

que te dê centro,

que te entregue paz,

que proveja sustento

para a iminente tormenta

que te toma,

que te tenta.



Da turbulência


Que te leve longe,

que te entregue à margem,

que te revire os planos,

que te dê coragem

para o vai e vem

que te toma,

que te tem.


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Antes das tempestades literais ou metafóricas, há, de fato, uma calmaria, um ar parado, que quase nos faz esquecer que a tormenta é constante da vida. Talvez a calmaria prepare o espírito, alimente o pensar e fortaleça o corpo para suportarmos os ventos e trovões. Talvez ela seja apenas perversa, dando-nos a ilusão do chão. Mas este nos abandona os pés ao primeiro sopro do noroeste. É bom desconfiar de calmarias e apostar mais em turbilhões.


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Someone told me long ago

There’s a calm before the storm,

I know, it’s been coming for some time.

When it’s over so they say

It will rain a sunny day,

I know, shining down like water.

I wanna know have you ever seen the rain

I wanna know have you ever seen the rain

Coming down on a sunny day?

Creedence Clearwater Revival


So the storm passed and every one was happy.

Kate Chopin


segunda-feira, 3 de agosto de 2009

Sísifo


Eu cada vez menos quero chegar ao fim do caminho,

sabe?

Cada vez menos quero andar em frente.

Quero o desvio, quero o detour.

Preciso vagar pela estrada mais longa,

pela via mais lenta,

para que não me cobrem a chegada.

Quem me chama é o trevo verde e vagabundo

à margem da rodovia. Me convida para sua trilha.

A guirlanda ao fim da jornada

não me atrai em nada.



Eu cada vez mais quero olhar para o lado,

sabe?

Cada vez menos quero contemplar o que virá pela frente.

Quero o cruzamento, quero a transversal.

Preciso enxergar depois da curva,

depois de cada esquina,

para que não me falte mundo.

Quem me atrai é o pedregulho ordinário e errante

ao lado do meio-fio. Me enriquece o caminho.

O monolito ao fim da estrada

não me diz nada.


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"É preciso imaginar Sísifo feliz."

Albert Camus


quinta-feira, 18 de junho de 2009

Dédalo


Eu agradeço
por me teres tirado o chão.
Te agradeço
por só me teres dito não.

Foi tua constante prisão
que me deu, então,
o dom da construção.
(Longe de ti.)

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Thank you India

Thank you terror

Thank you disillusionment

Thank you frailty

Thank you consequence

Thank you thank you silence


The moment I let go of it was

The moment I got more than I could handle

The moment I jumped off of it was

The moment I touched down

(Alanis Morissette)



quinta-feira, 21 de maio de 2009

Crossroads


Aqui estou na encruzilhada,

outra vez,

que é certamente coisa do diabo,

vejam vocês:


Colocar na frente da gente

uma estrada cortando a estrada

é tentar o ser vivente

pra que modifique a jornada,

esteja ela certa ou errada.


Pois bem, é o caminho cruzado

a cruz que o poeta sustenta;

e, como o canhoto me tenta,

sempre escolho o lado errado.


Afinal, que graça tem

o caminho que convém?


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Good Riddance (Time Of Your Life)

Green Day

Another turning point, a fork stuck in the road
Time grabs you by the wrist, directs you where to go
So make the best of this test, and don't ask why
It's not a question, but a lesson learned in time

It's something unpredictable, but in the end it's right.
I hope you had the time of your life.

So take the photographs, and still frames in your mind
Hang it on a shelf in good health and good time
Tattoos of memories and dead skin on trial
For what it's worth it was worth all the while

It's something unpredictable, but in the end it's right.
I hope you had the time of your life.


http://www.youtube.com/watch?v=otXzaqbhZY4

segunda-feira, 27 de abril de 2009

Vera e João


É um amor tão certo que
mesmo que um dos amantes não mais exista,
mesmo que um dos amantes jamais tenha visto o outro,
ainda assim,
o amor faz-se presente e presenciado.
Mesmo que nenhum dos amantes tenha consciência desse amor,
eu o presencio.
Ele é mais certo que qualquer amor imaginável.
E mesmo que eu não seja nem um, nem outro amante,
esse amor só existe em mim.

quarta-feira, 22 de abril de 2009

À margem



Eu não sou daqui, marinheiro só
Eu não tenho amor, marinheiro só



Eu também não sou daqui

e também não sei de nada
dessa gente
que me olha sem me rir
e não entende minha piada.

Eu nem bem cheguei aqui
e já insone é a madrugada.
Até, finalmente,
o sono assistir

minha alma tão cansada.

Mas a vida vive-se aqui,
como em qualquer outra parada.
Felizmente,
entendi
que a vida é sempre estrada.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Bittersweet


O que adoça a alma
e arrebenta o coração.

A bala
que acaricia antes de matar
sai da sua boca,
onde derreto, derreto e sumo.

Só uma alma antiga
goza o azedo-doce.

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Bittersweet
–adjective

1. both bitter and sweet to the taste: bittersweet chocolate.

2. both pleasant and painful or regretful: a bittersweet memory.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

Por dentro



Nem parece que está chovendo
uma chuvinha fina.
O pensamento de menina
que na mente vai correndo
não me deixa achar que a chuva é ruim.
Pode ser pra você, mas não é para mim.

Nem parece que está descendo
uma espessa neblina.
A alma de bailarina
que em mim vai quase morrendo
não me deixa pensar que a neblina é o fim.
Vou dançando e vivendo.

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O espírito é este: Put your records on

domingo, 29 de março de 2009

Poeta




Seus olhos dizem tudo

e, ainda assim,

você não fica mudo.

A voz que vem do fundo

não apenas fala bonito –

ela fala o que tem que ser dito.


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Não sou tiete de Eddie Vedder. Sou uma espécie de admiradora. Nem tem graça alguém da minha idade ser tiete de alguém. Mas eu gosto dele demais.

Sempre acho admirável aquele que é capaz de criticar sem ficar chato. É muito difícil. O próprio Bono Vox, de quem já fui fã (nunca tiete), acabou perdendo um pouco a graça para mim por seu excesso de “politicamente correto” e por sua advocacia constante em favor do mundo. Mas o U2 continua sendo uma baita banda.

Pois bem, o Vedder não caiu nessa chatice, talvez porque ele diversifique. Há as canções mundo cão, como Jeremy e Alive; há as filosóficas, como I am mine; há, também, as bem críticas, como Do the evolution e Society e, é claro, há a música mais linda do mundo, Black.

Bom, o link é dele no Temple of the Dog, cantando com o Chris Cornell, autor da música. Só para diversificar e não ficar chata:

http://www.youtube.com/watch?v=XjNjJR9jUGo

sábado, 21 de março de 2009

Meme

Eu tenho uma tendência à deprê,
Mas talvez nisto seja igual a você.

Eu danço em casa sozinha,
Mas para os outros, pareço “na minha”.

Eu gosto de “reality show”,
Mas isto não define quem eu sou.

No fundo, eu sou insegura,
Mas faço pose de pessoa madura.

Eu detesto salão de beleza.
Papo de novela é uma pobreza!

Eu sou a mãe do João,
E, neste mundo, não há menino mais lindão.

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Descobri que o “meme” é uma brincadeira entre blogueiros, e, como a Vanessa M., do
Asas Tortas, me chamou pro jogo, resolvi aceitar. Vou fazer que nem ela e explicar as regras aqui, mas não consegui mais do que três blogueiros para propor a tarefa. Foi mal!
As regras:
1- Linkar a pessoa que te indicou.
2- Contar seis coisas aleatórias sobre você.
3- Indicar mais seis pessoas e colocar os links no final do post.
4- Avisar a pessoa que você indicou, deixando um comentário para ela.
5- Avisar quem te indicou quando você publicar seu post.

Estou indicando:
Benjamim Azoar, do Bermudas e Meias
http://bermudasemeias.blogspot.com/
Cosme, do 4.0
http://quatropontozero.blogspot.com/
Leo, do Oblivion Seeker
http://www.oblivionseeker.com/page1.aspx

Desculpe, Vanessa, só consegui pensar nestes!

quarta-feira, 18 de março de 2009

A mulher que me olha


A mulher que me olha,
mas não pode me ver,

tem olhos vazios de olhar alheio.

Ela nem me comove.
Ela é só mais um ser
que vive a vida em devaneio.

E essa vida que vejo
em seus olhos sem brilho
nem lembra meu solto viver de menina,
que não é mulher,
é apenas menina,
que se molha na chuva,

que não pensa na sina.

Mas ela olha, ainda,
e me dá seu conselho –
viva a vida de agora,
de menina, de sorte –

e então me revela segredo tão forte,
que me tira o prumo,
que me deixa sem norte.

Com seu olho que chora,
seu olho vermelho,
a mulher que me olha com olhar alheio
é só minha imagem refletida no espelho.

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A pintura que ilustra o poema é do francês Fernand Léger.

domingo, 8 de março de 2009

Novo dia



Eu passo pelo Aterro

e o sol passa comigo.

Não o vejo,

meu erro:

o sol é meu amigo.

Mas estou tão preocupada com meu próprio umbigo...


O sol não desiste

e de novo nasce para mim.

Amigo bom insiste

e mostra pro outro amigo

que seu caminho é ruim.


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“Morning has broken” é, em sua origem, um hino cristão, que acabou se tornando popular na voz de Cat Stevens, que, por sua vez, acabou se tornando islamita e até mudou de nome. Isso só faz a gente pensar que religião é tudo uma coisa só, com seus vícios e virtudes. Na categoria das virtudes está o hino em questão. É tão difícil olhar para cada dia como um novo dia. E, no entanto, como olhá-lo de outra forma? O poema (lindo e simples) cantado no hino é da autora inglesa Eleanor Farjeon:


Morning has broken, like the first morning.
Blackbird has spoken, like the first bird.
Praise for the singing, praise for the morning,
Praise for them springing fresh from the world.
 
Sweet the rain's new fall, sunlit from heaven,
Like the first dewfall, on the first grass.
Praise for the sweetness of the wet garden
Sprung in completeness where his feet pass.
 
Mine is the sunlight, mine is the morning,
Born of the one light Eden saw play.
Praise with elation, praise every morning,
God's recreation of the new day.

segunda-feira, 2 de março de 2009

Latência

Não é bem a chuva,
mas a possibilidade da chuva
que me faz sonhar com frutos
e flores.

Não é bem a morte,
mas a possibilidade da morte
que me faz pensar em lutos
e dores.

Não é bem o sol,
mas a possibilidade do sol
que me faz lembrar de praias
e seixos.

Não é bem você,
mas a possibilidade de te ter
que me faz sonhar com bocas
e beijos.

quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

O sol e o cínico



Still you don't expect to be bright and bon-vivant
so far away from home,
so far away from home.

American Tune, Paul Simon




O cínico olhou pro céu,

viu o sol

e pensou:

o sol que hoje queima,

muito não queimará,

minha vida é curta

e eu tenho que aproveitar.

E o cínico se queimou.


Pergunta: pode um cínico se queimar?

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Às vezes eu tenho medo de me tornar uma cínica: parar de acreditar em tudo que motiva todo mundo e começar a olhar para o mundo com desdém. Mas como eu me queimo toda hora, acho que não devo correr esse risco.

quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Eu nem ligo

"Cê sai de perto eu penso em suicídio,
Mas no fundo eu nem ligo"
Eu queria ter uma bomba, Cazuza

Ela chega.
Ele sai.
Ela vem.
Ele vai.
Para onde vai o olhar
quando a boca já não diz:"te sigo"?
No fundo eu nem ligo.
Ele sobe.
Ela cai.
Cai em danação.
Cai.
Queda luciférica.
E cai
gritando, histérica:
Eu só queria ser igual.

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Poeminha triste para quem não tem o que queria


Queria uma noite,

Levei um dia.
Queria paixão,
Levei apatia.
Queria romance,
Biografia.
Queria ousar,
Levei covardia.
Queria balada,
Levei elegia.
Queria dor,
Anestesia.

Vidinha vazia...

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Sete anos

Um soneto meu:

“Sete anos de espera”, me dirias.

“Não é tempo por demais?”

“Ora!” digo-lhe, “Já muito faz

Quem com calma espera sete dias.”


Há moça que mereça tal expectativa?

Ou moço que ainda valha o sacrifício?

A paixão pode ser intensa no início,

Mas se desbota com espera abusiva.


E o vermelho do olho choroso

Se esmaece em nuances de rosa

Assim como a lágrima confunde o brilho


Que marca um novo olhar ansioso.

Seja em poesia ou em prosa

A paixão nova é o estribilho.


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Um do poeta:


Sete anos de pastor Jacó servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela,
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prêmio pretendia.

Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.

Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,

Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: - Mais servira, se não fora
Para tão longo amor tão curta a vida!